Um troféu para o primeiro prêmio Nobel de literatura negro
Foi durante as chuvas de agosto de 2018 na Universidade de Ifé que o conheci. Iwe (escola) os alunos gritavam em turba ao redor do professor que aflito com a abordagem procurava seu motorista. Salvo de ser carregado no colo pela multidão, ali descobri uma das caraterísticas deste que se tornou meu mentor: discreto por mais marcante que sua presença seja.
O professor universitário, ativista de direitos humanos, escritor, dramaturgo e posteriormente conhecido como Prêmio Nobel de Literatura tem um hábito recorrente de fugir desses assédios.
Uma vida inteira dedicada a paz da escrita e a guerra pelas verdades humanas, que lhe custou inclusive dois anos em uma prisão na Nigéria, de onde ele escreveu uma séria de poesia posteriormente compiladas no livro Poems from prison publicado em 1969.
Este nome que se destaca na literatura, Wole Soyinka nasceu na terra onde corre o Rio Ogun, em Abeokuta, filho de uma proeminente família com parentesco com Funmilayo Kuti, sua tia, e Fela Kuti, seu primo e músico extraordinário. Os egbas, grupo dentro do povo iorubá, destacam -se no estado de Ogun na Nigéria.
Não por acaso no último dia 2 de julho o Alake de Abeokuta, monarca tradicional deste território decretou que a partir deste ano o dia 13 de julho agora será sempre Wole Soyinka Day. Neste ano de 2024, 13 de julho marca o aniversário de 90 deste senhor viajante que passou por São Paulo no ultimo fim de semana e visitou o Museu Afro e seguiu para o Marrocos para um evento. A idade não é um impeditivo para o escritor viaja o mundo acompanhado apenas por uma pequena mala de mão.
Nesta rápida passagem por São Paulo algo me chamou atenção. Em troca de mensagens ele se demonstrou extremamente preocupado em obter troféus para um campeonato de xadrez que acontecerá na Nigéria em sua homenagem. Veja bem, quando estamos a lidar com os gênios não faz bem questionar os porquês, primeiro a entrega e depois, talvez, venham as explicações. Parti numa busca por lojas de troféu num sábado de inverno paulistano. Com ajuda de profundos conhecedores da cidade, pra mim ainda indecifrável, e aqui denuncio-me com registro de nascimento carioca, encontramos e resolvemos o desafio do troféu temático em 2 horas ainda com direito a escrita: WS Chess. Tudo made in Brasil direto pra Nigéria. Pouco antes da missão completa, vieram as explicações. O torneio de xadrez era organizado em uma escola pública secundária, é claro, os professores entusiastas das comemorações dos 90 anos do professor e ciente de seu impacto positivo sobre os alunos não possuíam meios para adquirir os troféus. O coração do Nobel de literatura estava ali com os pequenos leitores e grande jogares de xadrez. Sua preocupação era que ela deveriam ter o troféu para que fossem devidamente apreciados. O coração dos grandes está com os pequenos. Professor que fez questão de aparecer como incógnita em evento da Feira do Livro do Pacaembú, não quis conversar com nenhum jornalista (como geralmente ocorre), manteve sua atenção focada nos alunos secundaristas que receberiam o troféu pelo campeonato de xadrez.
Este personagem peculiar da história da Nigéria, e porque não, do mundo, tomou cervejas com Abdias Nascimento enquanto discutiam sobre racismo no Brasil e no mundo (aqui lembro que é uma lástima não termos sua autobiografia traduzida para português), pegou sem autorização objetos da casa de Caribe (pelas melhores razões ainda que meios controversos); já teve sua cabeça a prêmio na Nigéria por criticar a ditadura (e precisou se exilar por alguns anos); era leitura habitual de Nelson Mandela quando estava na prisão (a quem dedicou um livro de poesias) e tem o coração genuíno de pensar nas crianças. Em entrevista concedida ao podcast Nobel Prize em 2021 ele afirma que é crucial permitir a criança sua curiosidade e formação argumentativa, que foi assim que ele se tornou um escritor, sendo capaz de narrar criticamente antes mesmo de escrever.
Um filho de Ogun que com tal, ama a paz mas não teme a guerra. Toda vez que pode, ele usando a agenda de viagem permite, enconde-se entre arbustos rochas e arbustos na Nigéria e fico pensando se o nome da cidade não lhe é uma homenagem, Abeokuta em iorubá significa escondido sob a rocha.
Como diáspora, como povo negro, como brasileiros morando em um país de maioria negra, conhecer a obra e a vida de Wole Soyinka é uma fonte de inspiração cuja a ausência deste conhecimento causa atrofia cerebral e diminui nossas expectativas em vida. Um homem que traduz em si valores e histórias de tantos, mas que por isso mesmo é tão singular. Quando quiser lembrar do primeiro prêmio Nobel de literatura negro, lembre-se do homem que aos 90 anos procura troféus para crianças.
Para conhecer livros e projetos do professor acesse www.theafricanpride.com ou www. wolesoyinkafoundation.com